Rede de Apoio a Enlutados

A rede API – Apoio a Perdas (Ir)reparáveis – nasceu da necessidade da troca de ideias, sentimentos e experiências entre pessoas que haviam perdido filhos após a morte da jovem Camile (18), filha de Gláucia e Eduardo, em um acidente de carro. Muitas pessoas teriam parado neste ponto e se entregado ao desespero e à dor fazendo da vida uma eterna lamúria.

No entanto, a psicóloga Gláucia Tavares e seu marido, Dr. Eduardo Carlos Tavares, escolheram olhar e cuidar dessas emoções ao darem início a reuniões entre casais que também haviam perdido filhos em Belo Horizonte/ MG. Com o passar do tempo, esses encontros começaram a acolher as perdas de outros entes queridos e hoje, vinte e quatro anos depois, a rede oferece suporte nacional e internacional para centenas de enlutados e famílias.

Rede API - Apoio a Perdas (Ir)reparáveis

Vivemos em uma cultura que nega as perdas, dores e lutos, dificultando que os enlutados possam se organizarem diante de experiências tão desafiantes.

Desde outubro de 1998 a rede API – Apoio a Perdas (Ir)reparáveis, em suas várias unidades no Brasil e no exterior, tem o propósito de difundir e promover recursos para o enfrentamento do luto.

Oferece escuta, espaço e tempo aos enlutados, de forma respeitosa e voluntária, para que as pessoas se sintam amparadas diante do desafio da morte de entes queridos. Promove ações relacionadas, à prevenção de morte precoce, à educação para a morte e luto e capacitação para os coordenadores e apoiadores, visando aprimorar o acolhimento aos enlutados.

Organizar Sentimentos

Participar dos encontros da Rede API significa ter a oportunidade de organizar os pensamentos e sentimentos decorrentes do luto e ser acolhido com amor, carinho e respeito. Aqueles que se permitem participar das reuniões (on-line ou presenciais) tendem a voltar porque percebem que conhecer a dor de outras pessoas pode ser um encantador compartilhar.

Troca de Experiências

Trata-se de deixar de lado o holofote que se tem sobre si e constatar que todos os indivíduos vivenciam o luto em algum momento da vida. Daí a possibilidade de aprendizados através da troca de experiências, empatia e consideração às angústias do outro uma vez que todos estamos destinados a passar por essa dolorosa vivência.

Ressignificação da Caminhada

Frequentar às reuniões pode ser uma forma de aprender a lidar com os confusos sentimentos de corações partidos pela dor da perda ao abrir um leque de amor, compreensão e gratidão. As possibilidades de alívio do sofrimento e ressignificação da caminhada iluminam a direção dos enlutados que participam de nossas atividades.

Apesar de a morte fazer parte do tradicional “ciclo da vida” – nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer, a cultura ocidental moderna tende a ignorar essa realidade e não sabe como comportar-se quando ela acontece. A esse respeito, o autor Julian Barnes escreveu:

O luto é uma condição humana, não médica, e embora existam comprimidos para nos ajudar a esquecer da dor – e tudo mais – não existem comprimidos para curá-la. As pessoas enlutadas não estão deprimidas, estão apenas adequadamente, apropriadamente, matematicamente (“dói exatamente o quanto vale”) tristes.

Além disso, embora haja uma necessidade costumeira intrínseca de conversar sobre o ocorrido ou mesmo falar a respeito de quem morreu, esta tarefa se torna potencialmente inconveniente no meio social. Ao escrever sobre o próprio luto, vivenciado após a morte de sua esposa querida, o escritor C.S. Lewis desabafou:

 

Não posso falar sobre ela com os meninos. No momento em que tento, o rosto deles não transparece nem luto, nem amor, nem medo, nem pena, mas o mais fatal de todos os não condutores: o constrangimento. Eles olham como se eu estivesse cometendo uma indecência. Eles ficam angustiados para que eu pare. Senti o mesmo depois da morte de minha mãe, quando meu pai a mencionava. Não posso culpá-los. (LEWIS, 2021)

Ou seja, é realmente difícil lidar com as emoções malquistas que naturalmente advêm do luto como tristeza, medo, culpa e raiva. Na verdade, é tão custoso para o enlutado quanto o é para quem com ele convive, pois é como se fossem ativadas no outro as suas próprias fragilidades e incapacidades. Por isso, a existência de grupos que formem uma rede de apoio ao luto faz-se demasiadamente importante para o sujeito na medida em que reconhecem, compreendem e solidarizam-se com os diversos sentimentos e reações provocados no indivíduo durante esse período.

O objetivo da educação sobre a morte, o morrer e o luto é contribuir para uma educação de base social mais consciente, responsável, compreensiva e participativa. Sobre as possibilidades de educação a respeito da morte, a professora Maria Júlia Kovács declarou:
“ A educação para a morte apresenta a possibilidade do desenvolvimento pessoal de maneira mais integral, no sentido entendido por Jung (1960) como individuação, o desenvolvimento interior pessoal que ocorre durante a vida exame também pressupõe a preparação para a morte.” KOVÁCS M. J. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora, 2021, p. 2
A Educação para a Morte na mídia também pode ser um recurso extremamente viável para trazer o tema de modo correto, suscitando o debate e levando ao aprendizado. A recente pandemia mundial da COVID-19 e sua repercussão levaram a morte para dentro de todas as casas nos quatro cantos do planeta. Ela foi divulgada através de números, métricas, exposições, reorganização sanitária e social. Todas as famílias, escolas e comunidades se depararam com o medo, insegurança, ansiedade e pavor. Nossas defesas não mais puderam esconder a temida e velada temática da morte e todos foram obrigados a defrontarem-se, a qualquer momento, com a iminência de possíveis separações definitivas. Desde que foi detectada no final de 2019, a doença matou cerca de 15 milhões de pessoas em todo o mundo até o final de 2021. Sobre essa vulnerabilidade e “contrariedade” humanas, o psicólogo Dr. Neli Klix Freitas afirmou:
A morte parece sempre espantosa. Diante do morto, adotamos uma atitude singular, como de admiração a alguém que concluiu algo muito difícil. A atitude convencional do homem civilizado diante da morte fica complementada pelo nosso abatimento espiritual quando a morte fere uma pessoa amada: o pai, a mãe, o esposo, a esposa, um filho, um irmão ou um amigo querido. Enterramos com este nossas esperanças e aspirações. Não queremos nos consolar e nos negamos toda substituição do ser perdido. Parece que vamos morrer porque quem nós amamos morreu. (FREITAS, 2000, p.22).

Educar para o luto

É a morte convivendo escancaradamente com o ser humano em seu cotidiano e enlutando direta ou indiretamente centenas de pessoas todos os dias. Educar para as questões relacionadas ao luto, portanto, torna-se fundamental para ações durante essa fase aguda de realidade, pois, com a disseminação e compartilhamento de informações, é possível prever comportamentos e reações, estabelecer redes de apoio, oferta de serviços e espaços profissionais de acolhimento e suporte. Em um universo movimentado pelas redes sociais, que ganham cada vez mais adesão e audiência ao exibirem felicidade e “vidas perfeitas”, não há espaço social disponível para dor, tristeza e sofrimento. No entanto, a elaboração de um luto saudável não combina com a ignorância a essas emoções.
A dor é uma ferida que precisa de atenção para ser curada. Atravessá- la e vivenciá-la significa encarar nossos sentimentos honesta e abertamente, expressando-os e liberando-os por completo, tolerando- os e aceitando-os por quanto tempo for preciso, até que a ferida se cure. Temos medo de que a dor nos derrube se tomarmos conhecimento dela. A verdade é que a dor, quando nos permitimos experienciá-la, se dissolve, passa. A dor não expressa é dor que dura indefinidamente. (TATELBAUM, Judy, apud RINPOCHE, 2008, p. 391)

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Recomeço

Marcelo Correia

Transforme a dor em oração
Divida este peso
Não é desamor deixar de chorar
E sim um recomeço
Pelo que perdeu e por você
Atravesse seu luto
Espero que isso lhe ajude a
aprender a perder
sem se perder