Andrea Coelho Vianna

Há dois anos perdi minha única filha, Bia, em um acidente.

Ela estava com nove anos. Naquele momento, a dor era tão grande (algo incompreensível mesmo) que me vi num turbilhão de sentimentos sem saber o que fazer, pra onde correr, que remédio tomar para aplacar a dor. É como se um abismo se abrisse debaixo dos meus pés… Alguns amigos me falaram do grupo API. Uma amiga, Alice, que mora na Holanda, me mandou um recado para procurar a Dra. Gláucia Rezende, que ela fazia um trabalho bacana na área de perdas. Foi assim que soube que o grupo era coordenado pela Gláucia. Como sempre acreditei que as coisas não acontecem por acaso, também recebi um livro de sua autoria “Do luto à luta”, que tem me ajudado muito nessa caminhada.

O que posso dizer do grupo?! Na verdade comecei a frequentar um mês após o acidente e tenho ido sempre. Na procura de um apoio, recebo ali conforto, alento e, sobretudo, a amizade de tantas pessoas que como eu dividem suas dores com o grupo. Como é um espaço aberto ao público, não existe uma obrigatoriedade no comparecimento. Portanto quem vai, está aberto a ouvir, falar, chorar sem restrições ou constrangimentos. É um espaço de inclusão, onde cada um dá seu depoimento. Esta troca tem me feito mais forte, tem me feito refletir e respirar com mais suavidade. É um aprendizado de vida e também de morte. É um aprendizado de fé e esperança, trazendo pra nós a realidade de que coisas ruins acontecem com todos. Cabe a cada um decidir como quer seguir adiante. Costumo dizer que carregamos uma mochila da vida nas costas e que cada um coloca quantas pedras quer carregar. No grupo tenho aprendido a descarregar algumas pelo caminho e caminhar mais leve. Decidi receber toda a ajuda que quiserem me dar e dar o que eu já puder pra ajudar outras pessoas. Assim vamos formando uma corrente de amor, amizade e solidariedade. Agradeço sempre a Deus por me ter feito conhecer o Grupo API e a Glaucia pela amizade e pelo trabalho maravilhoso à frente das reuniões ajudando a tantos, que como eu, em algum momento se viram perdidos no meio do caminho.

Marina Fiuza

Ainda no velório, algumas pessoas se aproximaram dizendo que eu logo escreveria sobre a trágica morte do meu único irmão.

Tais comentários me soavam completamente descabidos, tamanha era a minha convicção de que eu jamais, em hipótese e de maneira alguma, me submetería a reviver tamanha dor. Poucos dias depois me surpreendi formando frases mentalmente e desfazendo-as em seguida, com medo do que elas pudessem revelar – assim como os sonhos que dão passagem para nosso inconsciente sem censura nem piedade.

Primeiro pensei em escrever sobre a grandeza dessa dor. Procurei metáforas, mas logo percebi que a dor de perder alguém que se ama assim, subitamente e para sempre, é algo inominável. Não acredito sequer que tal sentimento caiba numa palavra tão pequena: D, O, R. Talvez ela seja melhor expressada por uma anti-palavra, ou no máximo por reticências, os três pontos que se abrem para o infinito.

Pensei em escrever sobre os pensamentos que antecederam o acidente, os pesadelos que já anunciavam a morte que eu, cega pela vida, não pude enxergar. Mas do que adiantaria redigir um dossiê de prenúncios, depois que o destino já impôs sua vontade e nada posso fazer para mudá-lo?

Pensei em escrever sobre os momentos mais intensos já vividos, como o longo minuto que durou a minha entrada pelo corredor daquele hospital, de mãos dadas com meus pais, rumo à pior notícia de nossas vidas. Mas imaginei que essa memória, quem sabe com o tempo, tivesse a sorte de ser esquecida. Assim preferi não registrá-la, deixá-la livre para se perder.

Pensei em escrever sobre a difícil tarefa de lidar com o peso da vida e da morte ao mesmo tempo. Se tenho o dom de gerar vida em meu ventre, por que não pude fazer nada diante do corpo, ainda tão lindo, do meu irmão? Envergonhada da minha impotência e minha insignificância, desisti também deste texto.

Pensei, então, em escrever sobre Deus e a indignação que se instalou entre nós dois. Escrever sobre a coragem que cresceu em mim, fazendo-me capaz de desafiar Sua vontade como se fosse humano. Vontade de apagar Suas linhas tortas e ordenar que Ele reescrevesse minha história e da minha família sem esse erro terrível que seremos obrigados a carregar conosco até nossos últimos dias. Mas logo me peguei entregue a Ele, de uma forma nova e completa, pedindo Seu colo e afago de bom Pai, porque minhas forças já tinham me exaurido. Brigar com Deus já não faria mais sentido.

Pensei em escrever sobre a condição das estradas brasileiras, sobre o sofrimento compartilhado que une pessoas da maneira mais surpreendente possível, sobre a presença enorme que a ausência assume na vida de quem ficou. Ou então sobre a importância da solidariedade dos amigos, sobre minha vontade de carregar meus pais no colo e soprar suas feridas, assim como eles faziam antigamente. Escrever sobre a solidão de ter um sobrenome agora só meu e sobre o pânico de pensar que em breve eu o alcançarei na idade, como sempre brincávamos todos os anos de nossas vidas. Escrever sobre as vezes que peguei o telefone com vontade de ligar para o “departamento responsável”, constatar minha insatisfação e exigir um novo destino, uma outra história. Escrever sobre a fatalidade sorrateira que engana até a ordem da natureza. Escrever sobre tantas coisas que me embriagaram neste último mês. Mas ainda que minha dor – ou minhas reticências – se manifeste de tantas formas, tudo se toma pequeno diante do fato final, que é a morte. Esse mistério maior que cala todos os questionamentos, que nos tira o fôlego e a palavra. Diante das minhas intenções de escrita, vejo que não me resta outra coisa a não ser assumir, humildemente, minha incapacidade de compreender ou sequer relatar esta terrível experiência.

Tive a melhor ideia até então, que era a de escrever sobre meu irmão da maneira mais otimista possível. Mesmo porque ele não gostaria, eu bem sei, de homenagens fúnebres e deprimidas. Hugo nem combinaria com um texto assim, da mesma forma que não combina com a morte. Melhor seria escrever sobre a intensidade da sua vida, sobre a forma com que ele conquistou tantas centenas de pessoas que tiveram a sorte de conhecê-lo nos trinta anos de sua breve vida. Escrever sobre como ele foi lindo desde o dia em que nasceu, sobre sua fidelidade e coragem. Mas ainda que eu escolhesse as palavras mais bonitas, as lembranças mais tocantes, ninguém que já não o conhecia teria ideia de quem ele foi. Ninguém o amaria como ele merece ser amado, nem sofreria sua perda como eu sofro. Prefiro, então, conservar meu irmão só para mim, nas lembranças de uma infância que agora não tenho mais com quem compartilhar e que vou guardar sozinha. Tesouro pesado e precioso.

Solange França

Ontem, fez exatos 40 dias sem a minha querida Leca.

mas foi a primeira vez, desde que tudo começou que pude ter a serenidade de volta e conseguir dormir…ter participado da reunião do API ontem, foi como eu tivesse recebido a graça de Deus na minha vida novamente.

Diante de todos aqueles relatos que ouvi, foi como se estivesse ouvindo o meu próprio coração. Foi bom saber e perceber que há uma escolha, um caminho bom para seguir e que é possível ser feliz apesar de tanta dor e sofrimento. Foi bom perceber que não é somente a gente que tá passando por isso… Dividir o sentimento da perda e da dor que sentimos, com certeza nos fortalece um pouquinho a cada dia.Te agradeço muito pela oportunidade de poder participar e conhecer pessoas especiais que assim como eu possam retomar a própria vida com o coração mais leve e com a certeza que temos que continuar a viver e tentar ser feliz novamente.

Débora Maia

Cheguei ao API, 21 dias após a morte do meu filho.

certa que a vida havia se transformado em um buraco negro que consumiria toda a energia que já nem existia.Nos encontros do API descobri que não estava só. Que meu sofrimento era compartilhado por outras pessoas e que juntos era possível prosseguir na jornada da vida.

Aprendi que acalentar a alma do outro é um excelente cicatrizante para as feridas da nossa alma. Citando Guimarães Rosa, a morte desarruma tudo. Entretanto, frequentar o API foi fundamental para que eu pudesse arrumar minha vida, uma nova vida onde a morte está presente, mas meu filho não está ausente.

Denise Monteiro

Conheci o API no momento mais difícil que já enfrentei na vida, seis dias após a partida da minha querida mãe, Cida Monteiro.

Pensei que nunca iria conseguir sobreviver sem minha amada, amiga, companheira. Pensei que na minha vida nunca mais caberia alegria e risadas gostosas. Pensei que não iria aguentar tanta dor e saudade. Pensei que jamais teria ganhos com essa perda irreparável. Até que uma amiga, que também havia se despedido do pai e estava muito triste, me convidou para a reunião do API.

Eu não conhecia essa maravilha, que a cada reunião me transforma, me acolhe e me dá forças e esperanças para continuar a viver com bem estar e dignidade. A oportunidade que tive e tenho, há quase 3 anos, de fazer parte deste grupo, me faz a cada dia uma pessoa mais humilde, mais convencida de que não temos o controle de nada nesta vida.

O API me tornou uma pessoa mais serena, mais vibrante com as pequenascoisas e mais atenta para aquilo que realmente tem valor e faz sentido. Falar da Gláucia Tavares não é fácil para mim, pois tenho a sensação que ficará faltando alguma coisa, algum adjetivo, de tão importante que ela foi e é na minha vida.No grupo tive o privilégio de conhecer pessoas maravilhosas e criar vínculos com elas. No API temos a liberdade de chorar, de falar se quisermos e de calar, se preferirmos. Tudo é muito belo e maravilhosamente orquestrado por nossa querida coordenadora. No grupo posso compartilhar meus sinais e ser compreendida, porque somente quem vive ou viveu um luto, sabe da maravilha de receber e acreditar em contatos com nossos entes que estão conosco em outra forma, em outra energia, mas que estão sempre conosco. As reuniões me fortalecem e, por isso, sou frequentadora dos dois grupos.

Quando fico impedida de ir sinto falta, sinto saudade de rever os amigos que fiz e de ajudar, de alguma forma, a receber os novatos. Devo minha recuperação a esse grupo e em especial a Gláucia Tavares. Ela é uma  querida, pessoa extraordinária, brilhante nesta doação e maravilhosa na missão que recebeu através de uma perda irreparável. Um exemplo para todos nós!

Gláucia

O luto não é depressão e pode ser elaborado, não no isolamento, e sim com a construção responsável de redes de apoio.

Gláucia R. Tavares

Agostinho

As lágrimas… elas descem e eu as deixo fluir como convém, fazendo delas uma almofada para o meu coração. Nelas, ele descansou.

Agostinho, Confissões, IX,12.

Rossana Lívia Dias Pereira

O API tem sido para mim, uma escola onde sou a maior parte do tempo aluna, e às vezes professora.

Pois, após a morte de minha linda filhinha Lorena, de apenas 1 ano  e sete meses de idade. o API é onde encontro força para continuar a viver.